quarta-feira, 17 de setembro de 2014

PRECES DA MADRUGADA


Eu queria escrever. Mas não tem uma caneta por aqui, então eu vou ter que me contentar em bater a cabeça dos meus dedos nessas  teclas pra desabafar. Hoje eu não to a fim de seguir a norma culta. Se alguma palavra aqui sair certa, é trabalho do autocorreção do Word, não meu.

Não posso dizer que estou chorando, pois seria uma mentira demasiado dramática. Meus olhos estão tão secos quanto as minhas esperanças em tudo isso, sinto que dessa vez o fechar das cortinas será semelhante aos outros, pesando o barulho de um bom quebra-pau. Mas prefiro que termine no grito mesmo, e seria melhor ainda se tivessem palavrões e falta de respeito, porque ao lembrar isso, essa tristeza se converteria em raiva, e eu jamais teria saudade dos momentos bons, e aí eu teria a coragem de colocar tudo o que ele me deu numa lata e tacar fogo (até mesmo sob risco de incendiar a casa sem querer).  Tenho que agüentar as trombadas que dou naquele coração escrito “eu te amo”, trombar com aquele creme cheiroso que me deu da natura, não posso fugir dos cheiros de perfumes masculinos na rua... Ver aquela carta gigante enrolada em um canto e aqueles brincos que não tenho mais coragem de usar.

Mas tudo que resta é mágoa, assim concentrada, assim, em estado puro e sufocado, sem adição de água ou conservantes. E zero por cento álcool, zero por cento açúcar só pra piorar, pra afundar de vez. Veneno amargo que ta foda de engolir, porque engolir, pra mim, significa perder, e eu nunca fui boa perdedora, desde criança.  Nó na garganta e queimação no peito, a forma exata de definir a angústia.

Você tentou me engolir com as palavras. E eu gritei mais alto que você, pra simplesmente dizer “chega” “some” “vaza”. “você não precisava ter me tratado assim”. “é? Você também não precisava ter me feito de otária esse tempo todo (e mesmo assim ainda fui muito compreensiva com você)”. Chega uma hora que a gente cansa de cobrar.  E logo depois, finalmente chega o estagio que a gente cansa de engolir. Se quiser garganta profunda, vai procurar num filme pornô querido, porque a minha garganta é muito da rasa, do tipo que não aguenta engolir desaforo.

Eu ando errando demais no trabalho (muito mais do que o habitual), não ando dormindo direito, meus sonhos são sempre rodeados  de situações que não lembro, mas que são muito difíceis e da uma agonia de não conseguir sair, é minha mente dizendo “Valentina, você esta se enganando demais. Você não superou, viva esse luto e tenha paciência com isso”.



 Não. Não vou viver essa porra, essa merda de luto. Luto em relacionamento é coisa de gente babaca, assim como sofrer por isso é coisa de gente fraca, eu me nego a admitir minha tristeza. Me recuso, me esquivo o quanto puder, porque luto realmente deve ser sentido quando é definitivo, personificado na morte. A morte e a doença são as únicas dores reais que podem se abater sobre a nossa vida, o resto todo é balela possível de ser escondida, reprimida ou confessada pra um padre, afogada numa dose de vodka, porque já percebi: so mata a dor algo que destrói você de algum jeito. A arte ameniza a dor, mas já percebi que não mata não.

Antes minha esperança era a foto. Agora ate a foto você apagou. Apaga. Apaga o caralho todo, aproveita e apaga também a marca invisível que a sua mão deixou nos meus seios, na minha cintura, pra onde eu as conduzia, e por mais que eu tome vários banhos por dia, de aflição só de lembrar, porque suas digitais têm micro facas que queimam a minha pele, sendo que antes tinham plumas que acariciavam.

Dá uma vontade de gritar no meio de tantas pressões! “Eu preciso mudar a minha vida””
“eu preciso superar” “eu preciso ter amigos” “eu preciso me ocupar” “eu preciso fazer meu trabalho certo”. Dá vontade de gritar, mas dessa vez eu calo, e as lágrimas caem como válvula de escape ineficaz, porque sinto como se um veneno estivesse sendo injetado quando faço isso. Planos escorrendo para o ralo.

Rezo de madrugada pra você voltar. Acho que sou meio bruxa, tudo se realiza quando eu acendo uma vela e rezo aos sussurros de madrugada, com o quarto parcamente iluminado pelas luzes bruxuleantes. Mas eu tenho tanto medo de isso não ser o melhor pra mim. Medo de você voltar e nós dois caminharmos para o buraco de novo, e haver mais sofrimento inútil. E por isso minha prece não se realiza: por medo daquela frase do “cuidado com o que você deseja”.

Enquanto isso eu espero e feneço, segurando o choro para não parecer fraca, colocando a mascara de feliz para ver que, mesmo depois de acabado, quem ainda manda nisso tudo sou eu. Sempre serei eu quem dá as cartas, mesmo que a minha alma esteja em pedaços.


segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Medusa Moderna

Como Medusa, eu me escondo. 

Não dirija seu olhar para mim, teus olhos são a arma, a lança que perfura meus sentimentos e me fazem chorar, por dias, meses, anos, em um quarto escuro. Sempre amei a escuridão, porque ela me abriga, acalanta, protege, esconde dos perigos, das chacotas, dos estupros, dos assaltos, das zombarias e do ódio. Na penumbra simplesmente deixo de ser eu mesma, para me tornar a imensidão daquele espaço negro, do qual não posso nem mesmo vislumbrar o começo ou o fim, saber se é dia, noite, ou quanto tempo se passou ali dentro, é tranquilidade pura. Imploro, e ordeno: Não abra as janelas. Com as janelas escancaradas os raios solares invadem a alcova, e esses raios revelam toda a minha feiura, trazem às claras tudo o que pode fazer seus olhos e risadas sarcásticas me jogarem à lama com um só golpe.



É melhor mesmo não saber que horas são, tirar a pilha do relógio, as horas nos aprisionam a compromissos, e essas consultas com hora marcada, esses trabalhos com horário definido de início e fim de expediente me provocam uma agonia asfixiante, é o desespero de estar na linha tênue de não saber se vai ficar vivo ou morto, ou de ficar aprisionada a um sofrimento lento do qual não se pode achar uma escapatória, e fica ali, queimando em carne-viva. 

Transporte amontoado de gente, calçadão nos quais esbarramos os braços, levamos golpes de bolsas pesadas das pessoas apressadas. Cada um preocupado com o seu umbigo, eu sei, mas parece que tudo está montado numa armadilha ali, que a qualquer vacilo meu, numa forma errada de caminhar eu esbarro na alavanca e a multidão irá me jogar tomates, ovos, me deixar fedorenta e ridicularizada, com faces de desdém, pena, zombaria e desprezo - os sentimentos que mais odeio receber.

E fiz dos meus olhos um portal pra morte, e para quem não respeita a advertência colada na minha testa, eu mato sem dó, sem ao menos ter tempo de pensar. 

Saudade do tempo em que orgulhava-me dos meus cabelos, hoje são somente serpentes venenosas; saudade do tempo em que eu ostentava a beleza estonteante, e mesmo com a minha ousadia arrogante, não era motivo para me ferirem assim, me transformarem nesse monstro horrendo.

Odeio os homens, pois se aproveitaram de mim, violentaram e sugaram até a última gota do meu néctar.

Odeio as mulheres, por se vingarem de mim e me converterem nessa criatura horripilante da qual chego a ter profunda vergonha. Um ser assexuado eu sou. A orientação sexual é o ódio, somente.

Aguardo sem esperança pelo dia que meus olhos deixarão de ser veneno letal e paralisante, pelo dia em que poderei voltar a ser pura e simplesmente: Gente.