segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Medusa Moderna

Como Medusa, eu me escondo. 

Não dirija seu olhar para mim, teus olhos são a arma, a lança que perfura meus sentimentos e me fazem chorar, por dias, meses, anos, em um quarto escuro. Sempre amei a escuridão, porque ela me abriga, acalanta, protege, esconde dos perigos, das chacotas, dos estupros, dos assaltos, das zombarias e do ódio. Na penumbra simplesmente deixo de ser eu mesma, para me tornar a imensidão daquele espaço negro, do qual não posso nem mesmo vislumbrar o começo ou o fim, saber se é dia, noite, ou quanto tempo se passou ali dentro, é tranquilidade pura. Imploro, e ordeno: Não abra as janelas. Com as janelas escancaradas os raios solares invadem a alcova, e esses raios revelam toda a minha feiura, trazem às claras tudo o que pode fazer seus olhos e risadas sarcásticas me jogarem à lama com um só golpe.



É melhor mesmo não saber que horas são, tirar a pilha do relógio, as horas nos aprisionam a compromissos, e essas consultas com hora marcada, esses trabalhos com horário definido de início e fim de expediente me provocam uma agonia asfixiante, é o desespero de estar na linha tênue de não saber se vai ficar vivo ou morto, ou de ficar aprisionada a um sofrimento lento do qual não se pode achar uma escapatória, e fica ali, queimando em carne-viva. 

Transporte amontoado de gente, calçadão nos quais esbarramos os braços, levamos golpes de bolsas pesadas das pessoas apressadas. Cada um preocupado com o seu umbigo, eu sei, mas parece que tudo está montado numa armadilha ali, que a qualquer vacilo meu, numa forma errada de caminhar eu esbarro na alavanca e a multidão irá me jogar tomates, ovos, me deixar fedorenta e ridicularizada, com faces de desdém, pena, zombaria e desprezo - os sentimentos que mais odeio receber.

E fiz dos meus olhos um portal pra morte, e para quem não respeita a advertência colada na minha testa, eu mato sem dó, sem ao menos ter tempo de pensar. 

Saudade do tempo em que orgulhava-me dos meus cabelos, hoje são somente serpentes venenosas; saudade do tempo em que eu ostentava a beleza estonteante, e mesmo com a minha ousadia arrogante, não era motivo para me ferirem assim, me transformarem nesse monstro horrendo.

Odeio os homens, pois se aproveitaram de mim, violentaram e sugaram até a última gota do meu néctar.

Odeio as mulheres, por se vingarem de mim e me converterem nessa criatura horripilante da qual chego a ter profunda vergonha. Um ser assexuado eu sou. A orientação sexual é o ódio, somente.

Aguardo sem esperança pelo dia que meus olhos deixarão de ser veneno letal e paralisante, pelo dia em que poderei voltar a ser pura e simplesmente: Gente.

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