segunda-feira, 2 de junho de 2014

Quando a peste negra e a Inquisição trocam de nome: Prefácio

Pude sentir ao menos em uma vida o que é ser mulher, na França da Idade Média, naquela Idade das Trevas que jamais deixou de ser lembrada com medo de que voltasse... Pude sentir na carne como era estar suja, escrava dos senhores donos das minhas terras e totalmente faminta, jogada no chão. Senti arder o estômago, dilacerar a alma, o peso da solidão. E no momento de fome - estava com tanta gana por um prato de comida que mal pude chorar pelo luto de minha avó -  quando o corpo enfraquece e a doença ameaça visitar, cai por terra o orgulho, e um ser humano arrasta-se no chão como um verme, tolera sentir o escarro, a humilhação.



Não foi a peste negra que me matou. Nem a Inquisição Francesa. Quem me matou foi a paixão pungente que senti por ela, freirinha. Com os cabelos loiros e curtos clandestinamente escondidos debaixo daquelas vestes sacerdotais que não sei o nome, e com sinceridade, a mim não interessava saber, apenas interessava tirá-las. Sonhava todas as noites com o profanar daquele corpo com o meu desejo impuro, ver sua boca viajar na minha. Seria peculiar a nossa união: A santa e a feiticeira, o anjo e o demônio. Freirinha, que hesitou em aceitar meus cortejos com seu olhar medroso. Olhar que me fez sobreviver à enfermidade, ter vontade de viver de novo. Me estimulou a usar meus sons mágicos para subir na vida, subir até poder estar mais perto dela.

Freirinha, que fiz deitar-se na relva molhada pelo sereno das madrugadas, e ao amanhecer sentir a pele úmida pelo orvalho, pelos fluidos de nossos prazeres, abraçadas enfim em uma manta de lã, quente como nosso sentimento, abrigando a pele que não ficava exausta a cada arrepiar. Freirinha que se entregou, que umedeceu nossos olhos de lágrimas. Santa pecadora que fez meu corpo arder na fogueira em vida, e ardi logo depois para fenecer, falecer na fogueira criada pela paixão, pela delatora dona dos meus olhos, do meu coração.

Freira que voltei a encontrar. Em outra pele, em outras vestes. Mas aonde as pessoas vêm uma mulher sem graça, a eterna bruxa injustiçada passa por cima de tudo para tê-la de novo, anjo que me envolve em suas negras asas. Nesse momento, a peste negra e a Inquisição trocam de nome, viram pura e simplesmente... Amor e lembrança.

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Em breve iniciarei o Conto: Quando a Inquisição e a Peste Negra Trocam de Nome.

Embarque nessa história medieval para sentir junto, e emocionar-se.

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