Te vejo aí menina, sentada na sala, dizendo enquanto penteia o cabelo da Barbie que quer crescer, amanhã quer acordar grande, despertar moça já. Penso na sua ingenuidade por só conseguir ver o lado cor-de-rosa do crescimento. Mas eu te digo que crescer vai muito além de ficar mais alta e ter pernas compridas, tanto é que tenho responsabilidades adultas e a altura de uma menina de treze anos. O que conta é a idade do RG. E mais ainda: O que se carrega dentro da mente.
A coisa vai ficando complicada quando os seios crescem, as coxas engrossam. O corpo pode ficar bonito, ou parecer estar se revoltando contra você. Emitem-se os documentos, conhecemos os incômodos e o lado prazeroso de ser mulher. Poder se enfeitar é bom. Mais adiante começamos a ficar insatisfeitas, achando que não somos bonitas o suficiente, inteligentes como deveríamos ser. Isso é porque, infelizmente - ou felizmente, não sei - ninguém é feliz sozinho, e inicia uma saga que só termina na velhice, e em outras pessoas é algo que não acaba nunca: A Via Crucis pela busca da
aceitação. Aceitação dos pais, dos amigos, dos rapazes (ou não, dependendo da sua escolha). E se você se apegar muito nisso, garota, fica doente por não poder ser quem é, por ter que negar suas vontades para continuarem gostando de você, a fim de poder ter um namorado ou continuar aparecendo no churrasco de família sem envergonhar ninguém com a sua meia-arrastão, sua tatuagem que cobre o braço todo ou seus palavreados cheios de gíria.
Isso dói, você começa a se culpar por ter crescido, pelo seu "eu de dezoito anos" ter se distanciado tanto do seu "eu com seis anos de idade".
Vai querer sair, ir para a farra, estudar também. O mundo oferecerá bebida, cigarro, sexo, drogas que propõe uma fuga da realidade que, de tão injusta, vai dilacerar, parecer insuportável. Vão se aproveitar dos seus minutos de tristeza e vulnerabilidade para exibir numa vitrine para consumir essas viagens loucas. Será inteligente o suficiente para não entrar numa dessa só para agradar alguém. Ou fugir.
Claro que pode espiar, ver como é, mas nem todo mundo consegue sair sem marcas desses experimentos. Esses arranhões abertos são chamados "experiência de vida". Pense bem. Não é necessário sofrer com uma perda para aprender aonde não deve entrar, o que fazer, aquilo que deve entrar pela boca e o que sai por ela. Esse tipo de coisa se aprende observando o erro dos outros, isso pode aprender me olhando, se quiser. Não seja como eu: Achei que ia ser ajudada, confiei e fui julgada por gente que se considera perfeita.
O mundo além dos portões da sua casa não é só o cara que vende sorvete ou o arco-íris que forma no céu depois da chuva. Essas obras bonitas foi Deus quem fez. Mas os seres humanos tiveram a ideia de criar uma sociedade, na qual o comércio apela para tirar o seu dinheiro, os notíciarios te fazem perder a esperança, as informações são manipuladas e te fazem aprender a julgar, menina.
Te peço: crie muita malícia na vida, mas
NUNCA aprenda a julgar. Julgamentos tiram a paz do réu, as noites de sono daquele que é julgado. Estamos num lugar onde crucificam-se as vítimas e santificam-se os agressores.
Seu coração partirá muitas vezes por amar demais, por receber amor de menos, quando receber tantos nãos e cair em alguns caminhos escarpados...
Mas calma, ainda dá para ser feliz, comer bem , viajar, cultivar histórias, boas amizades, acreditar na Luz e não parar de sonhar... de ser FELIZ.
Agora você olha pra mim com essa cara de quem não tá entendendo nada - confesso que nem eu estou entendendo porque falei isso tudo, traumatizei a criança - , pede para eu escolher o vestido que a boneca usará hoje. Escolho o azul. Você olha para mim como um adulto olharia um louco. Eu sorrio, balanço a cabeça:
Não, você não vai entender do que estou falando, terá que ver com os próprios olhos. Só peço ao mundo para que ele tenha piedade, não te faça sentir na pele para acreditar. Que não deixem sua inocência ser perdida. Mas se um dia se queimar, menina, e o mundo te maltratar, vou te ajudar a juntar os cacos caídos no chão, se reconstruir, a não perder o verdadeiro prazer dessa vida:
Sorrir, mesmo enquanto o teto desaba; não perder a vontade de ajudar, mesmo recebendo ingratidão; ser grata frente a um ato mínimo de bondade e carinho; Amar sem sentir-se ferida, ainda que não seja recíproco.
Porque no final, o importante é a intenção, ter um coração recheado de boa vontade. Somente isso. No fim, não é tão difícil viver. Quem complica é o nosso EGO.