quinta-feira, 29 de maio de 2014

>> De artista para musa

Por mais que eu não sinta mais nada,
você é uma musa, e não há como fugir deste fato.

Podem haver milhões de mulheres no mundo: 
Japonesas, Árabes, Francesas, Espanholas
Europeias elegantes, Africanas da pele da cor do ébano
Extremamente charmosas

Mas é a você que a minha caneta chama quando desliza pelo papel na minha mão. 
São seus traços que meu lápis deseja de modo veemente
Que me fazem acurar a visão
Teu mistério simplesmente me faz visitar 
mundos etéreos, 
Faz nascer com raízes fortes a minha inspiração.


Muitos confundem com desejo
Como carinho não superado
Mas só quero estar de frente a você
Desenhando-te em ângulos de todos os modos
Cores, preto-e-branco
De costa, de frente, de lado.

E por mais que muitos desapontem com essa fixação
Muitos julgarem isso como luxúria, tentativa de reatamento, segunda intenção
Desse laço de artista para musa, definitivamente, eu não abro mão.

Vou sentir teu cheiro
Analisar 
Retratar teu ser por inteiro
Mergulhar nessas sensações que causas, muito mais que reais.

Olhar com a sede conformada de não poder sentir
Como fazem os visitantes às peças do museu:
Admirar, e naquela distância resignada, não poder tocar-te 
Jamais.

- C.L

terça-feira, 27 de maio de 2014

CRÔNICA DE AMOR EM POUCAS LINHAS.





Ela tinha a aparência arredia e retraída
Enquanto ele parecia malandro
Nem tudo é o que aparenta, e eles eram exemplos dessas pessoas que contrariam as probabilidades e as estimativas, é preciso saber explorar para ter o privilégio de poder saber a essência de quem eles são... é preciso desbravar. Isso um poeta faz melhor do que ninguém, mergulhando no limbo de cores, aromas e sabores de dois indivíduos.

Ela tinha a pele da mistura de leite e aveia, ele, cravo e canela. Chocolate, quem sabe? Ambas as peles eram um toque do qual o nosso artista não se cansava, pura seda envolvente, e ele mergulhava em cada um desses universos como se fosse o ultimo dia de sua vida.

Ele, a leveza e a inocência. Ela, a malícia e o poder da sedução, mesmo sem ser portadora de uma beleza física ostensiva. Ele dava a paz ao nosso artista. Ela simplesmente fazia nascer dentro dele um tornado, e esta musa sempre era a que estava no olho desse furacão emocional, dessas noites de insônia com a caneta na mão.

Ele, lábios volumosos, hidratados, oásis da satisfação feminina. Ela, lábios finos, secos, e que o poeta  sabia exatamente como umedecer no momento do enlace em um beijo, ora ardente, ora com ternura. Ambos sabiam beijá-lo, ambos sabiam fazê-lo sentir-se querido, mas um passava  a segurança de um amor tranqüilo com sabor de fruta madura. E a outra, apesar de sua fragilidade muito bem escondida naquela capa de conquista, só queria carinho e compreensão. Só podia oferecer incerteza, uma aventura daquelas clandestinas da qual você não sabe qual é o fim, no qual o crime altamente proibido moralmente poderia machucar muitos – embora não fosse crime propriamente dito.

Mas o poeta os amava. Amava os dois por igual e com tamanha intensidade, embora os amantes fossem totalmente distintos, e essa diversidade o encantava. A ternura e o desejo eram em mesma quantidade, o que mudavam eram as notas, as sensações de cada sentimento e a presença de cada um. Dividido entre pessoas, enfim, não usemos rótulos, por favor. Dividido entre almas e poesias totalmente opostas, e só sentiria aquela satisfação plena se pudesse tê-los, sem ter que abrir mão.


É, artista. Você e essa mania de ser guloso, de querer tudo para si. E essa sua ganância é bem maior quando se trata de seus musos inspiradores. E conforme-se com a triste sorte: não é possível abraçar o mundo todo ao mesmo instante. Melhor só um amor na mão, do que cem anos de solidão.

E os dois queriam o poeta totalmente e integralmente para si.
Mas o artista não era nem de si mesmo.
Era tão ambíguo, indeciso e guloso que ao mesmo tempo que era dos dois
Não era de ninguém.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

>> Revolta por conta da Copa do mundo = Senso comum

Vimos nesses meses que antecederam a Copa do Mundo as constantes manifestações de insatisfação com o fato de o Brasil, país do futebol - odeio esse título que não serve para absolutamente NADA! - ser a sede da Copa do Mundo de 2014. Em redes sociais, nas mesas do jantar, nas mesas de bar, nas conversas da fila do SUS e em todas as rodas de diálogo que imaginarmos, esse tema é presença obrigatória.

E a maioria das pessoas, entre intelectuais e leigos (sou leiga) entra no senso comum de que "é uma pouca vergonha um país defeituoso e caótico como o nosso, que não se aguenta sobre as próprias pernas, afunda no lodo da corrupção se preocupe em ostentar com estádios suntuosos enquanto cidadãos morrem em filas de hospitais e muitos brasileiros vivem em situação de pobreza extrema e humilhação". Ok. Concordo em gênero, número e grau.

O que mais revolta é a BOMBA: Não foi a FIFA que convidou o Brasil para ser a sede. O Brasil simplesmente se OFERECEU.

Mas é o que todo mundo diz. Muito fácil repetir as frases dos outros.



Uma opinião comprada. Porque me lembro, passou na televisão ao vivo, no dia 30 de outubro de 2007 que ficou definido: O nosso país seria a sede dessa "festa".. A pergunta central é: Porque nesse dia, ainda em época de governo LULA, ninguém abriu a boca à respeito do assunto? Não diz por aí o ditado popular de que "o mal deve ser cortado pela raiz"? Cadê? Aonde estavam os facões da opinião pública e a vontade de protestar nesse ano? E em todos os outros anos que se sucederam?

Não, eu não sou a favor dessa ostentação. Só acho que depredação apenas vai jogar a fama do brasileiro mais na lama do que já está - se é que é mesmo possível.

Se você parar alguém na rua, quem vai saber informar o quanto foi gasto nesse mundial? Nem eu sabia, soube agora, (um bom artigo se faz com pesquisa): A estimativa é de 26 BIlhões. É tanta grana que não dá nem para imaginar quanto seria. Dinheiro suficiente para dar um jeito nesse caos generalizado pelo menos, e deixar a nossa casa no mínimo apresentável, nossa vida de um jeito em que nós vivêssemos ao invés de sobreviver. 

O que mais é digno de revolta não é essa roubalheira, essa ostentação, e sim o fato de saber que todo mundo sabia desde 2007, e se alguém abriu a boca, pode ter certeza de que foi uma minoria à qual ninguém deu ouvidos, porque na hora não achou grave, não achou disparate esse gasto alarmante.

Ninguém em sã consciência quebra o pau na própria casa enquanto tem visita entrando e  tomando café da tarde. Protestos no Mundial são válidos sim, desde sejamos civilizados. A questão é que os turistas não têm culpa, a seleção não tem culpa, não arrumemos bode expiatório para o caos que se instalou aqui. Os jogadores só estão fazendo o trabalho deles: JOGAR FUTEBOL. E os turistas estão vindo gastar dinheiro, se divertir. Claro que existem uns e outros (não são poucos) que vêm só por conta do turismo sexual. Mas existem aqueles que estão vindo com a família assistir a Copa, não dá pra generalizar.

A culpa está no governo brasileiro, que simplesmente fica de quatro, deixa todo mundo brincar de cavalinho e se submete em todas as decisões para agradar os governos estrangeiros. Se for americano então, nem se fala. Esse costume de jogar confete em gringo está inserido na nossa cultura desde os primórdios.

E quem colocou esse governo lá? Você, o seu irmão, quem?

Vote em quem você realmente acha que vale a pena. Voto não é igual a roupa da moda ou o carro do ano que copia-se o do vizinho. É algo particular, pra ser raciocinado. Não se vota em quem acha que vai ganhar. Vota-se em quem realmente vai fazer a diferença. Vota-se com compromisso, vota-se com consciência.

Em outubro desse ano será a primeira eleição em que vou ter o direito do voto, quero fazer a diferença. Não ser mais uma na estatística dos que choram pelo leite derramado e pelo país desacreditado pelos próprios brasileiros.


quinta-feira, 22 de maio de 2014

>> A Maior Dificuldade de uma alma selvagem

Por isso que eu não gosto dessas coisas, desse mimimi. Essas idas e vindas, esses humores que mudam com as fases lunares, hoje me beija, amanhã nem fala nada. Hoje me ama, amanhã vira a cara.

Por isso que hesito em entrar em casos, porque primeiro a história te ilude, te cerca de cheiros, aromas carícias e tentações para depois sair, evaporar assim como as sensações abstratas que ela provocou, sem deixar nem pistas de que existiu, restando a lembrança. Depois me chamam de cética, de fria, dizem que eu não valho nada. Não valho mesmo, nunca falei que valia, nunca prometi que valeria um dia. Estou cercada de motivos para ter medo do amor, porque ele te rodeia, te desarma com aquela ternura doce à qual não dá para dizer não, e depois te deixa jogado no chão, de quatro, escravo, nu. E o pior de tudo é que no início até curtimos esse joguinho de "seu mestre mandou" que o sentimento faz com a gente, e com o tempo, essa posição de servo deixa qualquer pessoa ridícula.



Mas eu não curto, me dá pavor pensar na possibilidade de estar de alma nua diante de alguém, totalmente entregue, submetida, passiva. Odeio passividade, mansuetude, credo. Um cavalo domesticado perde sua graça, e o amor submete, me dá chicotadas no lombo, corta a minha crina, enfia as esporas e me faz andar com a cabeça baixa. Faz os meus dias ficarem presos à presença de alguém, serem totalmente insossos sem esse alguém, faz o bolo da minha vida perder a graça por causa da falta cereja. Fico nesses joguinhos de pular os obstáculos, de ter que ficar dando justificativa de cada passo meu, de cada olhada pro lado, ter que ficar dizendo o que se passa comigo. Poxa, não é porque sou poetiza que significa que tenho que narrar o que estou sentindo o tempo todo. Preciso de paz e silêncio as vezes.

Pra mim o amor não é um jogo de xadrez, nem gamão, nem nada. O que irrita é que tem gente que se comporta como se o amor fosse um cálculo, um artigo científico, batalha naval. PARA! O amor é poesia, sensação, o realizar dos desejos, uma satisfação mútua. Não essa palhaçada. "Aiiin se ele não falar comigo eu também não falo". aff.

Por isso eu não me submeto. Dá medo de ver meu porta-aviões que acaba de ser restaurado naufragando de novo nessa batalha naval que os poetas insistem em chamar genericamente de "amor".

-- Maktub --

Sua lembrança vem em vórtices de máquina do tempo, sem aviso prévio, sem pudor. Você é uma viagem que eu sabia ser perigosa, e mesmo assim quis seguir enfrente nessa empreitada. Você é um fantasma, e a nossa ruptura paira sobre mim como uma sombra intransponível que resiste à ação do tempo e dos anos, e nem mesmo as traças tem coragem de corroer os papéis com letras ilegíveis de gente ansiosa que deixou, aos quais chamava de cartas. Longas cartas. Promessas eternas. E se cada palavra escrita foi uma promessa, temos uma dívida eterna uma com a outra, escrevi também, e minhas frases devem estar sofrendo a ação dos bichos em um lixão, um aterro sanitário qualquer, alimentando a barriga dos vermezinhos inocentes, rastejantes.

Se temos uma dívida, perdoo as suas para comigo, procuro esquecer meu saldo devedor. Saldo devedor que um dia foi veemência presente nos nossos sussurros clandestinos. Mas o perdão mútuo de nossos erros não impede o destino de montar sua teia, e fazer nos encontrarmos de novo nesses caminhos da existência que sempre nos exigem reparação.

Por mais que tentemos, desviemos nas calçadas, olhemos com o desdém ao qual se observa um pobre diabo, somos fracas demais:

Não dá pra fugir do iminente e tão nosso, MAKTUB**.




** "Está escrito, em árabe". Significa a impotência que temos diante dos desígnios da vida, e a resignação que devemos ter diante do destino que se descortina.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

>> Crônicas da Vida Urbana: Terraço

Nem a tempestade pôde nos impedir de nos vermos. Assim como pedi a chuva para Deus e Ele me atendeu ao seu tempo, pedi alguém como tu ao Universo, e ele, com suas forças cósmicas, trouxe você pra mim. É incrível como a gente não sabe de nada da vida, nos concentramos nessa visão limitada e turva daquele incômodo tempo logíncuo, e no passado nunca imaginei que maio pudesse ser assim, perfeito. Ainda mais desse jeito inesperado, arquitetado pelo destino maroto e engenhoso que nos rodeia.

E naquela noite no terraço, não tive medo de me entregar àquele novo e intenso carinho que se despontava. Livrei-me dos receios que me aprisionavam, e com as minhas asas ajudei você a se livrar dos seus. Sua boca tornou-se meu mundo por aquele instante, e a cadência da comunhão de lábios foi tão profunda que o ato de chegar a pensar em me desvencilhar os seus braços era doloroso.



A cada fechar de olhos me sentia num Nirvana, meus pés já não sentiam o solo, a ponta dos dedos parecia poder tocar o firmamento. Não, comunhão de corpos não existiu. Foi pura alma, sentimento e coração. Coloquei nas mãos e nos lábios o que tinha de mais doce em mim, os envolvi com os toques mais saborosos para que eles pudessem traduzir na silenciosa linguagem do início de noite todo o meu amor.

O beijo se aprofundava, os abraços se tornavam mais apertados, e com tamanha intensidade você tinha medo de me machucar. Mas a sua masculinidade consegue ser tão carinhosa que senti proteção. E eu senti, grudado ao meu peito, seu coração acelerar, bater como um tambor vigoroso, bombeava energia e bem-querer pra mim.

Antes eu tentei trancar as portas da mente e amortecer sentimento, mas existem forças que vão muito além do meu autocontrole. Não, parei com essa mania de querer pôr tudo na rédea curta, porque o bom mesmo é quando a paixão pode correr feliz como um cavalo selvagem em campo aberto. No campo aberto das nossas almas.

Te amo.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Mania

Eu nunca perco essa mania
De me perder nessas dimensões quânticas e sonoras enquanto você fala
Nessas telas mentais de lembranças
Nesse teu cheiro que
quando tu me abraça
Tu exala.

Eu nunca perco essa mania
De querer estar sempre perto
Dessa alta frequência que a mente entra
Que me faz não me importar
Em quem está errado
Quem estava certo.

Foda-se a vontade de estar certo
Quero mesmo é estar perto.

Você tem a malemolência embutida nessa alma
A flexibilidade incutida nesse corpo
Imagino, com realismo e veemência
Como seria desfrutar dessa ardência
Acordar sentindo abstinência
De você.


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Quando o morro descer e não for carnaval - Parte II - Final

Acordei.

Nem lembrava que tinha dormido, peguei no sono sem ao menos me dar conta, do tanto que a exaustão me assaltou. Minha família ainda dormia, e o silêncio, apesar de ser bem-vindo depois daquela madrugada perturbadora, parecia bastante suspeito. Tive medo de olhar por entre as cortinas, mas quando vi lá fora o arco-íris que fazia, senti brilhar na alma uma estrela de esperança.



Vi as pessoas se mobilizando, juntando os cacos, consertando os telhados, as vitrines quebradas, as antenas de internet, postes de luz. Alguns enterravam seus mortos, outros faziam cerimônias simbólicas, já que os corpos haviam sumido na grande enchente, ou simplesmente não tinham sido localizados. Alguns colocaram uns barquinhos com os pertences dos que partiram para o mar levar na praia, fizeram luais com as músicas que eles gostavam. Funerais resignados, daqueles que não há tristeza, pois sabe-se que cada um que partiu continuará vivo em alguma outra dimensão, ficando apenas a doce recordação e a certeza na justiça de Deus e no futuro reencontro.

E por alguns dias vivemos como nos tempos antigos, tomando banho de caneca e cozinhando em fogueiras. Nessa reconstrução, as pessoas passaram a conversar com vizinhos que nunca tinham olhado para a cara. Inclusive eu. E nas tardes com um belo pôr-do-sol, as mulheres levavam café com bolo de cenoura quentinho para os homens que levantavam de novo as lages, pintavam paredes.

E por um instante lágrimas límpidas de emoção passaram pelo meu rosto. Sorri. Todos na minha casa estavam bem, e eu já não precisava andar de roupas belas e maquiagem, apenas o sorriso no rosto e a naturalidade já enfeitavam como nada mais poderia.

Roupas leves e flutuantes vestiam as pessoas, e moda já não existia mais. Consumismo não existia mais. Preconceito foi embora. Dinheiro, nem havia mais lembrança do que seria isso. Petróleo não existia mais, tudo havia sido levado por aquela tempestade que limpou o mundo. E uns músicos tocavam de graça após o almoço, fizeram-se hortas nas casas. A energia elétrica voltou depois de sete dias, água encanada depois de quatorze, internet depois de vinte e um.

Seria Lei que cada um só trabalhasse do que realmente gostasse e sentisse a vocação bater forte na alma.

E a Terra ainda transcorria-se com pequenas falhas, mas o amor ao próximo predominava. Esse era o único governo, único decreto. E depois daquele dia ninguém mais sentiu vontade de infringir as leis, e as crianças puderam crescer felizes, os idosos descansar em paz, os adultos e jovens conviver em harmonia.

E o caos nunca foi tão bendito, pois fez brilhar dentro de cada um o anjo que queria sair da queda em direção da Luz. Regeneração, enfim.

Quando o morro descer e não for carnaval - Parte I

[...] "O povo virá de cortiço, alagado e favela
mostrando a miséria sobre a passarela
sem a fantasia que sai no jornal
vai ser uma única escola, uma só bateria
quem vai ser jurado? Ninguém gostaria
que desfile assim não vai ter nada igual
Não tem órgão oficial, nem governo, nem Liga
nem autoridade que compre essa briga
ninguém sabe a força desse pessoal
melhor é o Poder devolver à esse povo a alegria
senão todo mundo vai sambar no dia
em que o morro descer e não for carnaval."
(Wilson das Neves - Fragmento da música: O dia em que o morro descer e não for carnaval)
Foi uma daquelas noites nas quais a gente relembra o que é ter medo. Aquele pavor de verdade, de esfriar as entranhas, que vai muito além e com muito mais intensidade do que pensar que existe um bicho-papão dentro do guarda-roupa ou debaixo da cama.

Ouviam-se sirenes...

Eram três da manhã, e dizem que a esse horário as portas do inferno se abrem - reparou como os crimes mais hediondos e os telefonemas mais cabulosos acontecem depois das três? - e mais do que nunca, naquela madrugada levei a lenda a sério.



Ouvi barulhos de viaturas cantando pneus lá fora. Meus pais acordaram, minha irmã dormia como uma pedra. Pensei que fosse só mais uma perseguição banal. Fomos para as cortinas da varanda, na escuridão, e por detrás delas espiamos o caos que havia lá fora. Aquilo estava longe de ser normal. Uma onda, um mar infindo de gente revoltada, enlouquecida, arrombando e saqueando os comércios, munidas de armas brancas, revólveres, pedaços de pau, quebradeira. Tive a impressão de ver uma versão brasileira e contemporânea da Revolução Francesa. Empalideci. Tranquei as portas nos três trincos. Meu pai tentava manter a calma, minha mãe desabava em prantos, e acordei minha irmã avisando sobre o pandemônio que estava, travamos a janela dela.

A tropa de choque não dava conta. Liguei a TV sem som para não atrair a atenção daquela turba para a minha casa, e vi que não era só naquele bairro. No Rio de Janeiro, em Minas, na França, na África, Cazaquistão. E não há exército que seja páreo para tanta gente. Gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral já não assustavam mais o povo revoltado, pelo contrário: Parecia que aquilo aumentava ainda mais a sua raiva, e consequentemente, a sua força. "A multidão é um monstro sem rosto", como diria Racionais. O derramamento de sangue foi imediato, cavalaria, tiros de fuzil, sangue, grito, inferno, sangue, sangue, cabeças voando pelo ar, sangue, sangue, terror. Os campos da morte deveriam estar sofrendo de superlotação àquela altura.

O meu corpo tremia, se revoltava contra mim, a cabeça maquinava em modo turbo para tentar salvar nossas vidas, pois já podia sentir o povo chacoalhando o portão lá embaixo, forçando para entrar. Claro que não tardou para subirem as escadas, chegarem perto das portas que foram reforçadas com as estantes e os sofás. Nos abraçamos, nós quatro. Naquele momento, a desavença foi embora. O pai pegou a escada, senti muito pelas minhas roupas, pela casa, por tudo. Arrasariam tudo, assim como haviam feito nas ruas. Subimos para a lage. Não dava para saber se eles haviam entrado ou não. Nos apegamos na fé, no terço, em Nossa Senhora, Deus, os Espíritos, Orixás, Buda, Jesus, Maomé, Entidades da Natureza, o que fosse. Achei estranho, decidiram voltar para a rua, do nada.

E de repente, os ventos uivaram com suas vozes graves. Trovão, chuva, tempestade. O vento parecia querer virar tornado, destruir as casas, e a massa deixou de lado a quebradeira para preservar a própria vida. É... a Mãe Terra está furiosa com os filhos malcriados e ingratos. Presumi que a enchente tomava conta lá fora. E com medo de sentir o abraço gélido da morte antes de pedirmos perdão pelo nosso egoísmo, nos abraçamos em meio ao som dos trovões e pedirmos perdão entre uma tempestade que não era só de água... e sim, de lágrimas.

Por que não fizemos isso antes, enquanto estava tudo bem?

... Continua...





sexta-feira, 9 de maio de 2014

Pessoas Normais

Ele acordou de manhã sem a mínima vontade de levantar. Queria ficar um pouco mais na cama, sonhar com o domingo maravilhoso que teve com o seu amor no domingo. Sim, falava aos quatro-ventos o quanto era bom encontrar-se com essa tal de Rafaela que ninguém nunca via nem por foto, nem por facebook. Só sabiam que ela fazia Ricardo suspirar...



Daniela fez as compras do mês, desejou feliz aniversário para a mãe enquanto preparava lasanha. 

Ricardo bebeu demais, acabou falando mais do que devia, fazendo loucuras das quais lembrou quando teve a ressaca moral. Mas a vida é curta para lamentação, ela serve de aprendizado, de lição, como meio de acumular lembranças, gargalhadas...Gargalhando sozinho com as lembranças e sorrindo discretamente logo logo após para não acordar o irmão, tomou banho, colocou a roupa e foi trabalhar.

Daniela correu com o cão no parque, fez yoga, lavou a louça, leu um livro do Nietzsche, foi à academia. Teve uma forte enxaqueca, tomou Neosaldina.




Ele escutou as ladainhas do chefe, as piadas racistas e preconceituosas que tinha um verdadeiro horror em escutar, aquilo soava-lhe como soda caustica corrosiva nos ouvidos, como lama nojenta a querer limpar imediatamente. Fingiu-se de surdo.

Daniela ficou no quarto deitada durante a tarde, logo depois chegam no apartamento mais uma outra mulher e sua filha, as duas carregavam um lindo buquê de flores, com um cartão cheio de desenhos e palavras "mamãe, você é muito especial pra mim. Te amo". Lindo!... - pensou. A dor de cabeça até passou, não resistiu a tanto amor... s2




Ricardo, após o serviço passou num bistrô aconchegante com uma comida maravilhosa, na companhia dos seus amigos. Falaram sobre assuntos triviais da vida, falta de dinheiro, fragilidade da vida amorosa, a política extremamente safada do nosso país, e como todo bom brasileiro, fizeram da queixa um novo motivo para união. Viva o Happy Hour! E usaram das risadas e da amizade um estimulante para continuar vivendo com alegria... "Já é seis horas! Gente, vou indo embora, se não vou pegar um trânsito infernal, beeeijo" - falou. Despediu-se, foi.

Ricardo e Daniela, pessoas normais. Bons cidadãos, pagam suas contas, têm sua família, suas obrigações. Gente honesta. Lindo, né?

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Ricardo e Daniela.
O amor de Ricardo chamava-se Rafael. Não Rafaela.
A mulher que entrou no quarto com a filha de Daniela era Mariana, sua esposa dedicada e fiel, estavam juntas à seis anos, e a filha Duda era um presente que a vida havia lhes dado naquele dia que visitaram o orfanato e foi amor à primeira vista. Adotaram-na.



Continuo a dizer: Gente que ri, chora, fica doente, têm suas conquistas, obstáculos, e tem sentimentos como você. O fato de terem uma condição sexual diferente não os faz deixarem de serem pessoas brilhantes.

São homo. Pra você, esse fato muda em alguma coisa o rumo da história? Os seres que eles são não merecem respeito por conta disso?

A homossexualidade não faz da vida de ninguém um fardo difícil de carregar. O que faz a vida de alguém difícil é o preconceito.

Pense nisso.


quinta-feira, 8 de maio de 2014

Seriam suficientes correntes de aço para prender o desejo?

Você chega perto e eu não me permito confessar o que eu sinto.Confessar para quê? Olha como o mundo dos confessos está caótico e incendiado, não estou a fim de me juntar a isso, meu caos interno já é grande demais... Tua voz tem uma ligação direta com o meu peito, e quando ela sai pela tua garganta, o coração arde como brasa em plena fogueira, avermelhando meu rosto com o calor da timidez.

É muso (a), sorria: Você está sendo poetizado (a) (e nem sabe, inocente), e eu fico aqui, enfornada nesse lugar só fantasiando, umas visões meio inconscientes na minha mente que misturam o meu feminino, o seu másculo, nossos corpos, formando labaredas no ar.

Sua gentileza estimula as vontades, a imaginação, mesmo que nem sequer chegue a levantar essa hipótese.
Ok, não entende nada de linguagem poética, não entende nada do que estou falando, mas se a minha imaginação se concretizasse, ia entender do que se trata a linguagem, ia conhecer da minha boca o que é o tal do português claro, a sensação da dança sinuosa do roçar contínuo e arrepiante das nossas peles. Nem que seja em outra dimensão, essa cena existe em cores vivas e flamejantes. Nem que seja só no meu Universo Particular, ela existe e vai continuar lá, presa por correntes de ferro.

Seriam suficientes correntes de aço para prender o desejo?


(Escrito ao som de "Smooth Operator - Sade")

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Marca


A água cai do chuveiro
Faz eu me perder em sensações
Olho para o reflexo no box embaçado do banheiro
E meu olhar se torna
marinheiro
Navegante da minha pele molhada.

Minha pele é documento
Relato vivo de cada instante
Ela é rastro, gosto
de cada amante que aqui passou

Não é intacta como pensam
mas é tecido onde, sem permissão
Não se pode
Tocar

Na minha pele
Não tatuo
Nela não há furo
Porque a vida se atreveu a tatuar
Com a agulha não esterilizada das circunstâncias




Tatuar com arranhões os tombos que
levei
arranhões que não sangram
Cicatrizes
que não doem mais
ferimentos que ao nascerem arrancam lágrimas de
dor
trazem como recompensa a sabedoria daquele que sentiu
na carne
E não é mero espectador

Pele que cora na timidez
Sua na tensão
Arrepia com o
estímulo
Sente o efeito do aumento na circulação
Treme com a febre que vem do âmago
Delira na
alucinação

Perde a cor na tristeza
Amorena-se ao sol
transforma-se em beleza
depois do sono reparador

Se desespera
e prepara
no medo.
Se encolhe nos dias frios.

E ao mesmo tempo que transborda
fogo
implora
calor.

E ao mesmo passo que sente
Exala e
implora
sabor.

Sofre com os efeitos com feridas e acnes
Pela falta de
amor.

Não é falta de romance, e sim
falta daquele amor que vem de dentro de si.
Pele clara nas regiões que se expõe
Tão negra em lados que se contrapõem
Revelando
a tendência de procurar a noite em claro, insônia, escuridão.

Quando crianças, é perfeita
e ao crescer ela muda
para narrar nossa trajetória
nas rugas de preocupação que
ficam
na memória.

Descreve a alma
cheia de caminhos, anseios
espinhos
que moram dentro de ti

És a prova
que da imperfeição também se
tira poesia
Que da emoção é que se vive

Que o sentimento testemunhado é
o momento guardado
Que fica
Pra sempre
Marcado na pele
Aqui.

(Codenome: À Flor da Pele)
Não faço as coisas na minha vida por "moda". Faço porque acredito em mim, nos meus gostos e nas minhas verdades. Sempre remei contra a maré, e não é agora que vou mudar. Alguns poucos gostos meus podem coincidir com as tendências do momento, mas isso não significa que eu faça parte dessa massa, que eu seja influenciada pela mídia. Faço tudo aquilo que a minha alma intensa me pede ou implora. 
(Luciana Regina Santana)